terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O PROJETO CULTURAL DO ESTADO NOVO

 Em Portugal, a liberdade criativa característica das primeiras décadas do século XX deu lugar a uma criação artística e literária fortemente condicionada pelos interesses do regime: 

  • evitar os excessos intelectuais que pusessem em causa a coesão nacional;
  • dinamizar uma produção cultural que fizesse propaganda à grandeza nacional.
Para controlar a liberdade criativa foi instituída a censura sobre toda a atividade cultural (os autores portugueses foram submetidos a uma autêntica ditadura intelectual). As preocupações com o controlo da produção cultural levaram os ideólogos do regime a conceber um projeto de intensa propaganda, com o objetivo de inculcar na mente de todos os portugueses o ideário do Estado Novo.
Para pôr em prática esta política propagandista do regime e de padronização da cultura e das artes foi criado (em 1933) o Secretariado da Propaganda Nacional - SPN (semelhante a instituições criadas por Mussolini na Itália e por Hitler na Alemanha). 
Para a sua direção foi chamado António Ferro (após a publicação do seu livro Salazar, o Homem e a Obra), responsável pela doutrina desta política cultural, e onde se manteve até 1949.

António Ferro - Figura controversa, aos 19 anos foi convidado por Fernando Pessoa  para editar a revista Orpheu. O diretor de uma instituição controladora da liberdade criativa, mantinha relações de amizade com os grandes vultos do modernismo português mas ao mesmo tempo era um fervoroso simpatizante do fascismo (fascinado por Mussolini e pelos regimes autoritários da época). Mas as contradições não se ficam por aqui - quis afirmar Portugal internacionalmente através de um programa de desenvolvimento das artes, da literatura e das ciências, mas submetido às ideias conservadoras do Estado Novo, e afastado do projeto de vanguarda assente em ideias de criação modernista (tentava conciliar duas posições opostas, o conservadorismo e a vanguarda).

Pelo SPN passaram as realizações mais emblemáticas do Estado Novo: comemorações, salões de pintura, prémios literários, congressos científicos, exposições, inaugurações de grandes obras públicas, todas envolvidas em grande pompa e circunstância para ostentação da grandeza do regime. Outras, de caráter mais popular, foram a organização de festas, marchas, concursos e as comédias cinematográficas.
Para a realização de todo este programa de enaltecimento da grandeza nacional, o Estado contava com o apoio de intelectuais e artistas cujas produções patrocinava. Merece particular atenção a Exposição do Mundo Português (junho a dezembro de 1940), aproveitando as comemorações da fundação da nacionalidade (1140 - Afonso Henriques proclama-se rei de Portugal) e da restauração da independência (1 dezembro 1640), manifestação imponente da grandeza do império português, para incentivo do orgulho nacional e para a Europa se deslumbrar, numa altura em que estava envolvida na segunda guerra mundial.


O ESTADO NOVO E O APARELHO REPRESSIVO

 

AUTORITARISMO E CONSERVADORISMO - UM DISCURSO DE SALAZAR

 

SALAZAR - MINISTRO DAS FINANÇAS

 

PORTUGAL E O ESTADO NOVO

 Da ditadura militar ao Estado Novo

A observação da cronologia da página 152 do manual permite-nos concluir que até 1931 o país ainda sentiu os efeitos de alguma instabilidade política decorrente do regime de ditadura militar implantado no país em 1926. Porquê? 
  • Desentendimentos entre políticos e militares levaram ao poder vários chefes de governo. 
  • o problema orçamental não foi resolvido, pelo contrário foi agravado. 

Salazar, Ministro das Finanças

Finalmente em 1928 o governo de ditadura incluiu António Salazar, membro ativo, desde o regime parlamentar, do Centro Académico da Democracia Cristã, Centro Católico e próximo dos elementos do Integralismo Lusitano, agrupamento monárquico conservador, muito ativo e inspirador de algumas políticas e medidas tomadas por Sidónio Pais, nomeadamente de aproximação da Igreja.  

Salazar que na altura ocupava o cargo de professor de Economia em Coimbra foi chamado para Ministro das Finanças passando a superintender todas as despesas debaixo dum controlo apertado, (doc. 50B, p.179) o que ele conseguiu a partir de 1930. A partir de 1932 foi nomeado chefe de governo, cargo que ocupou ininterruptamente até 1968. 

Medidas políticas

Entre as medidas políticas mais importantes tomadas nos primeiros anos de regime de ditadura militar contam-se a criação de um conjunto de instituições que vão constituir os alicerces do novo regime: 
Em 1930
  •  Bases orgânicas da União Nacional - força política oficial que na prática se transformou no único partido autorizado;
  • Ato Colonial -  reforçava a tutela económica da metrópole sobre as colónias submetendo as atividades económicas. No continente residiam as atividades transformadoras e nas colónias extraiam-se as matérias primas e os produtos de plantação. O investimento externo era limitado nas colónias.
Em 1933 
  • Estatuto do Trabalho Nacional - inspirado na Carta do Trabalho italiana, regulamentava a organização corporativista da produção nacional;
  • Constituição de 1933 submetida a plebiscito nacional - marca a transição da ditadura militar para a ditadura civil.

Apoios
Apoiaram a ditadura militar e o Estado Novo todos os que se manifestaram contra o regime político parlamentar e todos os descontentes com este regime: burguesia urbana, os oficiais das forças armadas, católicos, setores monárquicos, capitalistas e pequenos comerciantes, pequeno campesinato e proprietários latifundiários. A Igreja e o Exército deram o seu apoio ativo.  

Princípios éticos e morais orientadores da ação do Estado Novo
  • Proteção da ação da Igreja.
  • Apoio de uma mentalidade rural e defensora das tradições populares. Rejeição da moral urbana e industrializada. 
  • Defesa de uma família conservadora onde o homem ocupava  o papel central e subalternização da mulher no mundo do trabalho e na sociedade. 
  • Controlo apertado das manifestações de cultura e pensamento rejeitando princípios éticos revolucionários ou que afetassem a conformidade e tradicionalismo da sociedade. 
Deus, Pátria, Nação, Autoridade, Família, Hierarquia, Moralidade...


A ideologia do Estado Novo

O regime era:
  • autoritário e dirigista - rejeitou os princípios liberais, repudiando o sistema parlamentar pluripartidário. O poder executivo era detido pelo Presidente da República, independente do poder legislativo. No entanto, a verdadeira autoridade era exercida pelo governo, na pessoa do seu presidente (o Presidente do Conselho de Ministros). De forma totalitária governava todos os sectores da vida pública; nomeava e demitia o seu conselho de ministros; referendava os atos do Presidente da República e tinha amplos poderes para legislar. Apenas tinha o dever de submeter as propostas de lei a uma Assembleia Nacional que era constituída por deputados da confiança do Governo, provenientes de um único partido (a União Nacional) que se limitava a discutir as propostas de lei submetidas à sua aprovação.
  • personalizado no chefe (culto da personalidade) - Salazar era apresentado pela propaganda do regime como o "Salvador da Pátria", naturalmente apto para governar. Como figura central da governação , interveniente em todos os setores da vida nacional, a sua imagem estava presente em todos os lugares públicos, sendo venerado pelas multidões de que era avesso. Na realidade, Salazar nunca assumiu o caráter militar dos seus inspiradores ideológicos. Nunca usou farda, como Mussolini e Hitler, e raramente mostrava em público força, virilidade ou agressividade. Discrição, austeridade, sobriedade nos comportamentos eram as suas principais características.
  • conservador (consagração da tradição e da ruralidade) - profundamente católico, Salazar procurou incutir na nação os valores do glorioso passado da história nacional. Não do passado recente, liberal e democrático, mas do passado monárquico, absolutista, caracterizado pela ordem e disciplina. Radicalmente contra a ideologia marxista e o seu caráter urbano e industrial, Salazar consagrou a tradição e a ruralidade como a imagem de todas as virtudes. O mundo urbano e industrial era para ele um espaço de desordem e indisciplina geradas pela modernidade dos novos tempos e pela luta de classes da sociedade industrial. A família rural, tradicional e conservadora, devia ser a imagem da sociedade portuguesa. A mulher era reduzida a um papel passivo, submissa ao marido, profundamente feminina, unicamente ocupada com os afazeres domésticos e com a educação dos filhos, enquanto o homem se ocupava em ganhar o pão. A mulher a trabalhar fora de casa era a imagem da perdição da família e da perversão social, própria do mundo urbano industrial.
  • nacionalista (exaltação dos valores nacionais) - união de todos os portugueses no engrandecimento da pátria. Como todas as divisões fragilizavam a Nação, os partidos políticos foram proibidos e todos os portugueses se deviam congregar na União Nacional. Para melhor conseguir esta união nacional de todos os portugueses, o Estado levou a cabo uma intensa campanha de exaltação dos valores nacionais através da consagração dos heróis e do passado glorioso de Portugal e de valorização das produções culturais nacionais. A inculcação destes valores fazia-se numa escola que visava a formação de consciências identificadas com a tradição, obediência, o respeito pela autoridade, o patriotismo e a aversão à modernidade estrangeira.
  • corporativo (concórdia na organização económica e social) -  Organização do Estado baseada em Corporações por setores de atividade, corporações culturais, de assistência e económicas reunidas numa Câmara Corporativa com funções consultivas. O Estatuto do Trabalho nacional regulava as atividades económicas e estipulava a formação de sindicatos nacionais e grémios patronais que negociariam entre si os contratos coletivos de trabalho, normas e cotas, regulamentos de produção e normas de disciplina no trabalho, fixavam preços e salários, organizando entre si os respetivos setores de atividade económica. O lockout e a greve são proibidos. 
  • assente em estruturas de enquadramento das massas (fidelizar a população ao projeto do regime) - Legião Portuguesa; Mocidade Portuguesa; FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho); Obras das Mães para a Educação Nacional (formação das futuras mulheres e mães).

Economia submetida aos imperativos políticos:

O caráter totalitário do Estado também se fez sentir na atividade económica - sujeitar toda a produção e gestão da riqueza nacional aos interesses do Estado. Salazar abandonou o liberalismo económico e adotou um modelo fortemente dirigista (protecionismo e intervencionismo) tendo em vista a autossuficiência do país e consequente afirmação do nacionalismo económico.



Estabilidade Financeira

A estabilidade financeira foi a grande preocupação de Salazar ao longo dos 40 anos em que fez parte do governo. Desde logo foram tomadas medidas de contenção de gastos e de melhoria das receitas:

  • controlo apertado de todas as despesas
  • Criaram-se novos impostos: profissional, complementar, imposto de salvação pública, taxa de salvação nacional. 
  • Aumentaram-se tarifas alfandegárias sobre produtos importados.
  • Adotou-se uma política de neutralidade que evitasse os gastos militares. 
  • Incentivaram-se as exportações, por ex. volfrâmio. 

Agricultura

O Estado Novo adotou um modelo económico baseado na agricultura. Para isso tomaram-se medidas: 
  • Batalha do Trigo, para aumentar a produção de trigo e diminuir a dependência de cereais, principalmente no Alentejo. Estabeleceu-se protecionismo alfandegário e apoiaram-se os proprietários, nomeadamente latifundiários no sul. 
  • Criou-se a Junta de Colonização Interna para povoar regiões pouco desenvolvidas do interior fixando as populações à agricultura. 
  • Desenvolveu-se a industria de adubos e a importação de máquinas agrícolas. 
  • Fomentou-se a cultura da vinha aumentando as exportações. 

Obras Públicas
• “Lei de Reconstituição Económica” - 1930
• Objetivo das obras públicas - Desenvolvimento Económico
• Caminhos-de-ferro; Construção e reparação de estradas - maior acessibilidade aos mercados externos; primeira autoestrada – modelo alemão; Edificação de pontes; 
• Melhoramento nas comunicações telegráficas e telefónicas
• Alargamento de portos – auxiliar na capacidade de importação e exportação
• Construção de barragens para irrigar os campos – desenvolver a agricultura
• Expansão elétrica
• As obras públicas como símbolos propagandísticos e de orgulho do Regime.


Indústria - Política de Condicionamento Industrial 


• As indústrias necessitavam de uma prévia autorização para se instalar, reabrir, efetuar aplicações, mudar de local, ser vendida a estrangeiros ou até para comprar máquinas;

• O dirigismo económico tratava-se de uma política conjuntural anticrise, que garantia o controlo da indústria por nacionais e regulava a atividade produtiva e da concorrência. Esta política procurava evitar superproduções, a descida dos preços, o desemprego e a agitação social. Controlava-se e limitava-se o investimento estrangeiro.

• O condicionalismo industrial levantou obstáculos à modernização.